segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Coluna: Teledramaturgia - Cordel Encantado


Uma novela que, projetada com ares de experimentação, cativou o público pela mais tradicional receita do gênero. Assim foi Cordel Encantado, charmoso trabalho de Duca Rachid e Thelma Guedes que a Globo exibiu até setembro deste ano. A inusitada história de amor entre a princesa europeia Açucena/Aurora (Bianca Bin) e o cangaceiro Jesuíno (Cauã Reymond) calcou-se em muito romance, ação, heróis apaixonados e sofridos, antagonistas cruéis e implacáveis, com direito a inúmeras reviravoltas. Tudo isso, aliado ao carisma do elenco e à esmeradíssima produção técnica e artística, garantiram o sucesso de público e crítica, não como um programa ousado, inovador, mas um saboroso e acertado déja vú.

Ao princípio de Cordel, o romantismo era o elemento que mais se destacava. Um dos ingredientes centrais das novelas, mas que andava em baixa frente a outras linguagens adotadas pelas tramas de hoje – que privilegiam mais a intriga, a adrenalina policial e o merchandising social. O tom de fábula predominante na narrativa favoreceu ainda mais esse foco. Da paixão “proibida” entre a empregada Maria Cesária (Lucy Ramos) e o monarca Augusto (Carmo Dalla Vecchia) ao amor bandido entre a ardilosa duquesa Úrsula (Débora Bloch) e o honrado e valente Herculano (Domingos Montagner), houve pares para todos os gostos. Delegados a segundo plano, mas ainda assim de força inegável, estiveram as aventuras vividas pelos cangaceiros e o humor de personagens como Neusa (Heloísa Perrissé), Quiquiqui (Marcelo Novaes), Ternurinha (Zezé Polessa) e Nicolau (Luiz Fernando Guimarães).

A partir de quando o obsessivo vilão Timóteo (Bruno Gagliasso) toma o poder em Brogodó e transforma a família real de Seráfia em seus criados, as histórias de amor perdem um pouco de espaço, dando maior evidência à aventura e à adrenalina dentro desse contexto “político”. Isso não ocorre bruscamente, mas é perceptível de forma gradual. Os conflitos e triângulos amorosos continuaram existindo e se desenvolvendo, mas jamais voltariam a ter a força de antes – mesmo porque alguns já tinham a linha narrativa um tanto desgastada, como o próprio romance principal entre Açucena e Jesuíno. O núcleo infantil, encabeçado pelo órfão Nidinho (João Fernandes) e sua busca pelos pais biológicos, foi outro ponto forte e comovente para o público da trama.

Apesar de irrepreensível na maior parte de seu desenrolar, a trama de Duca Rachid e Thelma Guedes pecou ao se perder na reta final, tornando-se cansativa. Até pela constante agilidade, os recursos da história esgotaram-se antes do previsto, e mesmo as sequências mais movimentadas já não empolgavam como outrora. Na última semana, alguns desfechos soaram apressados, outros não convenceram. Foi estranho, por exemplo, que a decidida Doralice (Nathália Dill) esquecesse num piscar de olhos do amor por Jesuíno, que a moveu durante toda a novela, para se assumir apaixonada “desde sempre” pelo príncipe Felipe (Jayme Matarazzo); a atração entre os dois já fora claramente insinuada, várias vezes, mas tal atitude não condisse com o perfil maduro e ousado de Doralice. A cena da morte de Úrsula, ao defender seu amado Herculano de um tiro de Zoio Furado (Tuca Andrada), foi rápida e superficial demais, não só dada a importância da personagem na história, mas também as atenções que o público dedicava ao seu romance com o “rei do cangaço”.

Elenco e personagens

Nathália Dill no papel de Doralice
Sem exageros, pode-se dizer que em Cordel Encantado estivemos diante de um elenco impecável. Bianca Bin e Cauã Reymond convenceram como protagonistas, o que aliás não chega a ser uma surpresa, visto que ambos já vinham apresentando maturidade artística em trabalhos anteriores. A consagrada Débora Bloch foi ajustando e melhorando o tom da recalcada Úrsula à medida que a trama avançava, e ao fim garantiu seu lugar entre os melhores do elenco. Nathália Dill, que vem se sobressaindo em papéis quase consecutivos desde Malhação (2008), mostrou que é incansável e acumulou mais um mérito em seu currículo, muitas vezes superando a própria protagonista.                                                                                

Bruno Gagliasso como Timóteo
Na ala masculina, o ponto mais alto foi sem dúvida Bruno Gagliasso. A decadência moral e social de Timóteo, a partir do momento em que é destituído do “trono” de Brogodó, garantiu momentos deliciosos e até arrepiantes à novela. De almofadinha pedante, superficial e calculista, o vilão foi pouco a pouco se afundando em seus delírios de grandeza e na paixão doentia por Açucena. Nos momentos derradeiros, de tão fora de si, vivia isolado dos demais personagens e esgueirava-se por detrás deles como uma sombra, um “fantasma” ameaçador. Um clichê fantástico, que há tempos estava ausente das telenovelas modernas, e que novamente foi favorecido pelo contexto onírico de Cordel Encantado.

Cabem ainda destaques ao sempre ótimo Osmar Prado, que passeou por diversas matizes de seu delegado Batoré; Luísa Valdetaro, atriz outrora desacreditada, teve na sofrida Antônia seu melhor desempenho na TV até agora; a dupla Zezé Polessa (Ternurinha) e Marcos Caruso (Patácio), impagáveis como prefeito e primeira-dama de Brogodó; o aflitivo triângulo amoroso entre Emanuelle Araújo (Florinda), Guilherme Fontes (Zenóbio) e Felipe Camargo (Pétrus) – apesar do desfecho superficial e forçado; além de revelações como Renato Góes (Fausto), Luana Martau (Carlota) e, claro, Domingos Montagner, que marcou o público feminino como o impulsivo e viril Herculano.

Não se tratou de uma novela inesquecível, mas Cordel Encantado indiscutivelmente cumpriu seu papel na faixa das 18h da Globo: atrair e divertir o público, com uma história que unia toques de tradição, modernidade e vanguarda de forma peculiar.

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