Diversos pontos de vista vêm levantando a questão de que somos controlados pelo poder econômico através dos meios de comunicação. Entretanto, a influência disto na sociedade vem tomando proporções muito grandes, que estão cada vez mais distantes de uma solução. E até onde essa influência midiática vem alterando nossos princípios? E em prol de que? Também questiona-se o futuro da sociedade, do jornalismo e do indivíduo. A entrevista com Viviane de Carli, jornalista de Londrina, nos oferece um olhar de alguém que vive a profissão no dia a dia, e nos leva a refletir de maneira filosófica o momento atual. Culturaria: Quais rumos você acha que o jornalismo esta tomando?
Viviane: Vejo que há uma preocupação de todos os veículos em garantir a todo custo a audiência, onde nem sempre há uma pesquisa de opinião. A preocupação na maioria das vezes é com uma informação que prenda o telespectador. Hoje, seja um veículo nacional, internacional, estadual ou local, a impressão que dá é que os olhos do jornalista estão focados na tragédia, porque é isso que vende. Hoje o jornalismo é pautado pela audiência e esta influencia de maneira direta a econômia. Aquele jornalismo romântico, que se fazia há duas décadas, não existe mais, é muito caro para se fazer. Então hoje temos o tipo de informação rápida e curta. Isso se da não só pela questão financeira, econômica, mas também pelas mídias rápidas que temos. O espectador pode ver o mundo na palma da mão, no toque digital. Nós que repassamos a informação precisamos nos posicionar melhor ao escolher as pautas.
Culturaria: Vejo que o indivíduo tem se fechado para o contato social cada vez mais, e a mídia tornou-se um companheiro dele. Então a pessoa fica boa parte do seu tempo vendo produtos com teor violento, catastrófico, alcoólico, sexualista, consumista...
Viviane: Quando estamos nos referindo à mídia de massa, se torna impossível desvincular o poder econômico que hoje em dia é maior que o poder político. As mídias de massa sofrem influencia direta da economia. Entramos assim nas questões de ética. Será que o jornalista e as mídias estão tendo ética? Será que se discute ética?O jornalista está em um processo de muitos questionamentos. Eu não concordo com o jornalismo pautado em cima da violência. Temos que tentar oferecer outra pauta que mostre que tem o outro lado para fazer a diferença.
Culturaria: Não sabemos se essa sociedade realmente gosta de ver essa violência, ou se ela esta sendo treinada a gostar disso.
Viviane: Eu não sei se entraria na velha máxima da teoria da conspiração, não consigo compreender porque esperou tanto tempo para se reinvestir nas polícias. A gente não concebe como e porque não se investiu na segurança. E a gente tem essa cultura da violência em qualquer lugar, e ficamos aprisionados, com medo. Você não sai mais da sua casa e investe mais em segurança privada. Eu acredito que a mídia tem esse olhar pessimista, porque afinal, o que vende? Matéria boa não vende muito fácil, nem para qualquer mídia. A empresa precisa de dinheiro para comprar a matéria, e sem audiência, não tem anunciante, então não tem dinheiro para comprar a matéria.
Culturaria: eu vejo que a maior parte que consome os produtos midiáticos de violência são pessoas com pouca educação. E porque não buscamos levar de maneira fácil boas informações para essa massa? Assim começamos a criar uma sociedade que pensa, e busca o que é melhor para si. Porque um povo que sabe o que quer não é enganado por qualquer político, exige seus direitos humanos e sabe o que faz.
Viviane: eu sinto uma acomodação, uma constante repetição de pautas. Vivemos uma ditadura do poder econômico. Quando você observa uma discussão de acabar com o diploma de jornalista, você percebe que há o poder econômico gerindo. Não é o diploma que nos faz um bom jornalista, mas sem ele, você execra uma categoria que lutou muito tempo. Você determina que qualquer Zé Mané pode ocupar o papel do jornalista e reproduzir algo de acordo com a manipulação econômica. Eu não vejo no meio jornalístico uma discussão sobre o futuro do jornalismo, sobre o papel dele na sociedade, sobre o que pensam. Afinal, o jornalista tem ética ultimamente? A televisão está em um processo de digitalização, e como têm custos altos, vão se exigir cada vez menos profissionais. Daqui a pouco você não vai mais precisar de jornalistas para mostrar uma imagem e transformar numa noticia. E quem vai fazer essa noticia? Quem vai produzir isso? São marqueteiros, publicitários?
Culturaria: Qual a influência da internet na carreira do jornalista e na sociedade?
Viviane: A internet superficializou tudo. Por outro lado, ela tem uma rapidez excelente. Antes eu sentia que havia uma busca por uma profundidade, por um conteúdo. Hoje é tudo muito rápido, muito superficial. O agravante disso, é que a internet trouxe uma fobia de relacionamentos, então você fala com o mundo, mas você não fala com você mesmo. Ou com o seu vizinho.A internet muda tudo. Daqui um tempo só uma pessoa, com uma câmera, poderá filmar, editar e enviar o material de onde ela estiver. Isso muda toda a perspectiva. Porque aprender a executar uma função tecnológica você aprende em seis meses no máximo. Agora o que você não consegue aprender dessa maneira e com essa rapidez é o senso critico, saber, ou contextualizar onde você esta. Não se deixar ser massa de manobra. Eu acho que a internet tem um poder tremendo, ela é uma ferramenta usada por todas as mídias, é quase uma pauta, é uma pré-pauta. E, no meio disso tudo, como está o jornalista? Que opinião ele vai formar?
Culturaria: Por interesses financeiros, a sociedade está sendo totalmente deturpada. Não só o jornalista, mas toda a sociedade precisa se perguntar isso. Não sabemos qual é nosso papel na sociedade.
Viviane: quando você fala do jornalista; qual é o papel do jornalista? Ele é para ser o mediador social, certo? Uma pessoa que estudou para formar opiniões. E na verdade, hoje, ele passa a ser um mero reprodutor social.
Culturaria: Eu acho que o jornalista constrói a sociedade.
Viviane: Na verdade, o jornalista trabalha para alguém. Para um veículo ou uma mídia, geralmente de massa. E o que essa mídia espera? Lucro, dinheiro. E o que manda na mídia? O poder econômico. Então será que de fato o jornalista esta conseguindo cumprir o papel dele? Até que ponto ele pode divulgar certas informações? É um contexto muito serio.
Clturaria: Você acha necessária uma mudança de paradigma da parte dos jornalistas quanto aos acontecimentos sociais?
Viviane: O jornalista deveria ser um mediador de conflitos. Porque é ele que vai contar como a sociedade esta. E muito disso passa por uma construção pessoal, ele é um reprodutor do contexto social, e dependendo da visão dele e de onde ele esta, as matérias podem mudar. Mas, os veículos de massa estão dispostos a pagar um preço por uma verdade? Hoje o ser humano passa por um vazio profundo. Ele busca por assistência médica, e geralmente ele encontra com déficit, ele busca transporte e cai numa lata de sardinha, ele busca diversão, e vai encontrar à disposição álcool, drogas e sexo. O desespero das drogas hoje é tão grande, que isso toma conta de todos, porque alguém perto de você está envolvido com drogas. Então a gente vive um conflito de identidade. E o jornalista é um formador de opinião que esta no meio de toda essa bagunça.
Culturaria: Quais mudanças são necessárias na atividade jornalística?
Viviane: Eu acho que essas mudanças são mais complicadas ainda. Nós temos ferramentas ideológicas que estão chegando com tudo. Eu creio que até fazer televisão, por exemplo, vai ficar bem diferente. Vai ter outra perspectiva, e ao ver os produtos de massa explorando cada vez mais problemas de violência, sexo, sabendo que por trás de tudo isso, tem a questão econômica, me assusta. Eu acho que, nós, jornalistas, somo pequenos Davis, enfrentando gigantes Golias. Eu vejo essa proporção do jornalista com a mídia. O jornalista esta sofrendo de perda sensitiva, perda da percepção. Você vê uma sociedade que carece de tudo. Carece de ética, carece de afeto, carece de amor, carece de vida. Carece de segurança, saúde e educação moral. E a educação é algo complicado. Muitos pais passam a responsabilidade de educar para a escola e na verdade, a escola tem o papel de passar o conhecimento formal. O papel de educar, de passar princípios do que é certo, do que é errado, é da família. A gente vive uma crise de identidade, de princípios, do que é bom ou não é. E ai, talvez nessa panela toda esteja a mídia. Porque ela é reflexo do comportamento social. A mídia também está em crise. Existe ética profissional, se não existe ética pessoal?
Culturaria: acho que a mídia hoje em dia faz um papel que começou com a família, foi pra igreja, pra escola e hoje está na mão da mídia, que é fornecer a educação moral do ser humano. E ela não é a mais indicada para isso, pois seus fins são lucrativos. Por isso a sociedade está cada vez mais confusa e perdida.
Viviane: As pessoas que acham que elas vão ser bem educadas ou que vão receber algum conhecimento da mídia, elas estão equivocadas. A mídia seve para informar. A minha capacidade de discernir é que tem de ser renovada. Ai é que eu digo que o poder econômico ganha muito com isso, afinal eles percebem que a mídia é que está cumprindo com o papel de educar a sociedade. E isso é um perigo, e o jornalista está no meio desse campo de guerra. Porque isso é uma guerra. Ganha quem tem mais dinheiro. Quem tem poder.
Culturaria: é a gente vive sob uma máxima hoje em dia onde é mais importante ganhar dinheiro do que abrir portas na mente das pessoas. Conscientizar.
Viviane: A impressão que da é que se criou uma geração de jornalistas com pouca vontade de pensar. Raros têm esse desejo de questionar, e a empresa não está muito interessada que você pense. Essas pautas disfarçadas onde tudo gira em torno da violência, entra na cultura do medo, do aprisionamento, poder econômico, é esse o ciclo. Um ciclo discreto mas que envolve. O pior é quando você, jornalista ou profissional da mídia, perde a noção de até onde você consegue ir, até onde sua ética te permite ir. Nem todo mundo tem essa consciência. Então eu creio que os jornalistas precisam discutir isso.
(por Amanda Martins)