Teledramaturgia - A Vida da Gente

Enredo apaixonante, sensível, com personagens profundos e verdadeiros e um pano-de-fundo mais que atual: as novas relações familiares.

Olhos na realidade e pés fora do chão - Um perfil do poeta Nelson Capucho

“A poesia parece uma inclinação. Todas as pessoas que eu conheço que escrevem poesia têm uma sensibilidade. Parece que o cara nasce poeta”, diz ele.

Poesia concreta - Intervenções urbanas

Muros, faixas de pedestre, pontes, edifícios, construções... Tudo se torna tela.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Crítica: "AMANHECER - PARTE 1" - Só mesmo sendo fã... e olhe lá!

“Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”. Estes versos de Caetano Veloso expressam bem a impressão que se tem de Amanhecer – Parte 1 (Breaking Dawn – Part 1, Estados Unidos, 2011) quando já não se é, de antemão, um  fervoroso apaixonado pela Saga Crepúsculo. Stephenie Meyer e Melissa Rosenberg, autora original e roteirista da série, estragam o resto de poesia que ainda havia entre Edward (Robert Pattinson, Água para Elefantes) e Bella (Kristen Stewart, Corações Perdidos) e transformam os acontecimentos derradeiros do emblemático par em um espetáculo de horrores digno de Jogos Mortais ou Pânico 4.

O tão sonhado casamento de Bella e Edward ocorre em clima de romance e expectativa, em meio a convidados que reúnem vampiros, humanos e lobisomens – nada a se estranhar para quem já conhece as características demarcadas da saga. A pedido de Bella, Edward adia a transformação da esposa em sanguessuga e consuma o casamento com ela ainda humana. O que deveria ser apenas a última prova de amor antes da entrega total, porém, gera consequências terríveis: Bella fica grávida, e a gestação do feto, um híbrido entre humano e vampiro, deteriora seriamente a saúde da heroína, colocando-a em risco de vida. Para piorar, a tribo dos lobisomens acredita que o herdeiro dos Cullen seria uma ameaça à comunidade de Forks, por que decidem liquidar com Bella e o bebê. Entra novamente em cena o apaixonado Jacob (Taylor Lautner, Sem Saída), que, disposto a impedir que Bella seja assassinada, volta-se contra o próprio bando em nome de seu amor por ela.

A produção se conduz de forma digna nas sequências iniciais, do enlace entre os jovens protagonistas à viagem de lua-de-mel, em uma praia afastada e fictícia do Rio de Janeiro – com direito, inclusive, à participação de atores cariocas falando português. A sequência em que Bella e Edward fazem amor pela primeira vez surpreende tanto pela delicadeza como pelo bom gosto, subvertendo o histórico da franquia. Mesmo com os atores seminus, há pouco espaço para a sensualidade, minimamente insinuada, enaltecendo mais o tom romântico, ansiado não só pelos fãs incondicionais do casal, mas por qualquer cinéfilo que se agrade de cenas do gênero. Uma lição do pouco conhecido Bill Condon (Dreamgirls – Em Busca de um Sonho) para diversos diretores mais experientes e conceituados de como se fazer uma cena de amor sem apelar, além de condizer totalmente com o público juvenil a que o filme se dirige.

Infelizmente, a partir daí, tudo vem abaixo. Ao contrário do que poderia (e deveria) ser naturalmente, a notícia da gravidez de Bella substitui a felicidade conjugal por uma aura de morbidez e sofrimento sem fim que perduram até o final da primeira parte de Amanhecer. Conforme a gestação avança, Bella vê sua saúde e aspecto físico se deteriorarem de forma horripilante, tornando-a quase cadavérica. A narrativa e o mau gosto atingem seu clímax (simultaneamente) no parto da pequena Renesmee, cuja presença exagerada de sangue chega a lembrar aqueles filmes de terror macabros e trashes dos anos 80.

Apesar do fiasco quase total, Amanhecer ainda se destaca por algumas cenas de notável poesia, como quando Jacob, disposto a matar Renesmee ao crer que Bella morreu por causa dela, acaba literalmente prostrado ao ter uma espécie de insight – denominado imprinting no contexto da história – em que descobre que a pequena será o amor de sua vida. O texto em off, poético e inspirado, é como um oásis dentro daquele deserto grotesco.

As interpretações não trazem novidades: Kristen Stewart segue abusando dos suspiros e gemidos desfalecentes que marcaram Bella Swan, Robert Pattinson mantém a cara de paisagem de seu Edward Cullen, Taylor Lautner é um dos poucos que se salvam mesmo com seu Jacob cada vez mais coadjuvante. A direção não acumula muitos méritos, mas entre eles está o de eliminar a estética escura e propositalmente dark que predominou nos episódios anteriores. O que, aliás, foi salutar, do contrário tornaria insuportável assistir ao filme.

Amanhecer revela-se o equívoco máximo de uma série que, tola e sem pé nem cabeça, por si só já se mostrava equivocada. Aos que já se incomodaram com as excentricidades, bobagens e exageros de Crepúsculo, Lua Nova e cia., é a chance de sair do cinema com vontade de nunca mais tornar a ver a saga, nem pela mais mórbida curiosidade. Aos apaixonados histéricos pelo enredo de Stephenie Meyer, resta ignorar os defeitos da produção e amá-la com a mesma cega devoção dedicada aos outros episódios.

(por Felipe Brandão)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ballet - A arte que alcança uma nova classe

A Dança é uma das expressões artísticas mais apreciadas e praticadas em todo o mundo. Arte que se divide em diversos estilos e atraí várias idades, tem o balé como modalidade precursora, que se iniciou no século XV, e desde então tem evoluído, tanto em seus passos quanto no público que o pratica.

Dança que se originou nas cortes da Itália, elite do país, o balé, ou ballet em francês, é um estilo de dança clássico e equilibrado. Segundo profissionais da área, a modalidade exige muita técnica e prática, com ensaios periódicos e exaustivos.

Assim como seu começou, nas camadas nobres da Europa, o ballet foi se espalhando pelos outros países, sempre atingindo, em sua maioria as classes mais altas da sociedade. “O balé, principalmente a dança clássica, até o final da década dos anos 80 era exclusiva da classe média alta”, conta o secretário de Cultura de Londrina e bailarino, Leonardo Ramos.

O secretário e bailarino de muita experiência, disse que atualmente o perfil dos bailarinos mudou. “As pessoas da classe alta não possuem mais interesse pela arte do balé”, esclareceu. Para Ramos, essa nova fase que o balé passa, se dá devido aos princípios que o mundo atual tem priorizado. “A classe média e alta passa por essa realidade devido à bitolação em que se encontra, pois, se tornou refém do mercado. As crianças deixaram até a prática de esportes, para dar lugar aos cursos de línguas e informática.”

Mesmo que essa fase reflita de forma negativa, já que os jovens perdem o desejo pela arte, que para Ramos, é fundamental na formação do senso crítico dos cidadãos. Por outro lado, a nova realidade proporciona uma inovação para o balé em todo o Brasil, que se abre, então, para as classes menos favorecidas.

A novidade é consequência, segundo o secretário, da mobilização dos professores da arte, que para não deixá-la morrer começaram a promover ações socioculturais para atender, através da dança, as classes mais baixas.

Para exemplificar essa nova etapa vivida pelo balé, Ramos sita o exemplo da escola de balé de Londrina, “Ballet de Londrina”.
“Atualmente, quase 100% dos que frequentam o ballet clássico de Londrina são das classes menos favorecidas”, disse Ramos. Entre as ações desenvolvidas responsáveis por mudar esse quadro, está as bolsas de estudos e os descontos na mensalidade, que incentivam crianças e adolescentes a buscarem o sonho antes inalcançável que se tornou real.

Essa nova realidade e a iniciativa dos profissionais e produtores da cultura do balé, gerou novas oportunidade para a população da classe baixa e fez com que essa linda arte não fosse esquecida e extinguida pela ânsia da vida capitalista. “As pessoas menos favorecidas começam a exercer e procurar a dança, porque foi criado uma oportunidade, então, eles vão em busca dos seus sonhos e do que é direito deles como cidadãos.”

O resultado de tudo isso são jovens de lugares carentes e que de situações muitas vezes de risco, encontrando na arte um nova oportunidade para ser feliz. “A classe social não determina o desinteresse e a falta de conhecimento da cultura, porém, é a falta de oportunidade que as impede de desfrutar o inalcançável”, completa Ramos.

(por Mayara Teles)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Entrevista: Rumos do jornalismo

Diversos pontos de vista vêm levantando a questão de que somos controlados pelo poder econômico através dos meios de comunicação. Entretanto, a influência disto na sociedade vem tomando proporções muito grandes, que estão cada vez mais distantes de uma solução. E até onde essa influência midiática vem alterando nossos princípios? E em prol de que? Também questiona-se o futuro da sociedade, do jornalismo e do indivíduo. A entrevista com Viviane de Carli, jornalista de Londrina, nos oferece um olhar de alguém que vive a profissão no dia a dia, e nos leva a refletir de maneira filosófica o momento atual.
 Culturaria: Quais rumos você acha que o jornalismo esta tomando?
Viviane: Vejo que há uma preocupação de todos os veículos em garantir a todo custo a audiência, onde nem sempre há uma pesquisa de opinião. A preocupação na maioria das vezes é com uma informação que prenda o telespectador. Hoje, seja um veículo nacional, internacional, estadual ou local, a impressão que dá é que os olhos do jornalista estão focados na tragédia, porque é isso que vende. Hoje o jornalismo é pautado pela audiência e esta influencia de maneira direta a econômia. Aquele jornalismo romântico, que se fazia há duas décadas, não existe mais, é muito caro para se fazer. Então hoje temos o tipo de informação rápida e curta. Isso se da não só pela questão financeira, econômica, mas também pelas mídias rápidas que temos. O espectador pode ver o mundo na palma da mão, no toque digital. Nós que repassamos a informação precisamos nos posicionar melhor ao escolher as pautas.
Culturaria: Vejo que o indivíduo tem se fechado para o contato social cada vez mais, e a mídia tornou-se um companheiro dele. Então a pessoa fica boa parte do seu tempo vendo produtos com teor violento, catastrófico, alcoólico, sexualista, consumista...
Viviane: Quando estamos nos referindo à mídia de massa, se torna impossível desvincular o poder econômico que hoje em dia é maior que o poder político. As mídias de massa sofrem influencia direta da economia. Entramos assim nas questões de ética. Será que o jornalista e as mídias estão tendo ética? Será que se discute ética?O jornalista está em um processo de muitos questionamentos. Eu não concordo com o jornalismo pautado em cima da violência. Temos que tentar oferecer outra pauta que mostre que tem o outro lado para fazer a diferença.
Culturaria: Não sabemos se essa sociedade realmente gosta de ver essa violência, ou se ela esta sendo treinada a gostar disso.
Viviane: Eu não sei se entraria na velha máxima da teoria da conspiração, não consigo compreender porque esperou tanto tempo para se reinvestir nas polícias. A gente não concebe como e porque não se investiu na segurança. E a gente tem essa cultura da violência em qualquer lugar, e ficamos aprisionados, com medo. Você não sai mais da sua casa e investe mais em segurança privada. Eu acredito que a mídia tem esse olhar pessimista, porque afinal, o que vende? Matéria boa não vende muito fácil, nem para qualquer mídia. A empresa precisa de dinheiro para comprar a matéria, e sem audiência, não tem anunciante, então não tem dinheiro para comprar a matéria.
Culturaria: eu vejo que a maior parte que consome os produtos midiáticos de violência são pessoas com pouca educação. E porque não buscamos levar de maneira fácil boas informações para essa massa? Assim começamos a criar uma sociedade que pensa, e busca o que é melhor para si. Porque um povo que sabe o que quer não é enganado por qualquer político, exige seus direitos humanos e sabe o que faz.
Viviane: eu sinto uma acomodação, uma constante repetição de pautas. Vivemos uma ditadura do poder econômico. Quando você observa uma discussão de acabar com o diploma de jornalista, você percebe que há o poder econômico gerindo. Não é o diploma que nos faz um bom jornalista, mas sem ele, você execra uma categoria que lutou muito tempo. Você determina que qualquer Zé Mané pode ocupar o papel do jornalista e reproduzir algo de acordo com a manipulação econômica. Eu não vejo no meio jornalístico uma discussão sobre o futuro do jornalismo, sobre o papel dele na sociedade, sobre o que pensam. Afinal, o jornalista tem ética ultimamente? A televisão está em um processo de digitalização, e como têm custos altos, vão se exigir cada vez menos profissionais. Daqui a pouco você não vai mais precisar de jornalistas para mostrar uma imagem e transformar numa noticia. E quem vai fazer essa noticia? Quem vai produzir isso? São marqueteiros, publicitários?
Culturaria: Qual a influência da internet na carreira do jornalista e na sociedade?
Viviane: A internet superficializou tudo. Por outro lado, ela tem uma rapidez excelente. Antes eu sentia que havia uma busca por uma profundidade, por um conteúdo. Hoje é tudo muito rápido, muito superficial. O agravante disso, é que a internet trouxe uma fobia de relacionamentos, então você fala com o mundo, mas você não fala com você mesmo. Ou com o seu vizinho.A internet muda tudo. Daqui um tempo só uma pessoa, com uma câmera, poderá filmar, editar e enviar o material de onde ela estiver. Isso muda toda a perspectiva. Porque aprender a executar uma função tecnológica você aprende em seis meses no máximo. Agora o que você não consegue aprender dessa maneira e com essa rapidez é o senso critico, saber, ou contextualizar onde você esta. Não se deixar ser massa de manobra. Eu acho que a internet tem um poder tremendo, ela é uma ferramenta usada por todas as mídias, é quase uma pauta, é uma pré-pauta. E, no meio disso tudo, como está o jornalista? Que opinião ele vai formar?
 Culturaria: Por interesses financeiros, a sociedade está sendo totalmente deturpada. Não só o jornalista, mas toda a sociedade precisa se perguntar isso. Não sabemos qual é nosso papel na sociedade.
Viviane: quando você fala do jornalista; qual é o papel do jornalista? Ele é para ser o mediador social, certo? Uma pessoa que estudou para formar opiniões. E na verdade, hoje, ele passa a ser um mero reprodutor social.
Culturaria: Eu acho que o jornalista constrói a sociedade.
Viviane: Na verdade, o jornalista trabalha para alguém. Para um veículo ou uma mídia, geralmente de massa. E o que essa mídia espera? Lucro, dinheiro. E o que manda na mídia? O poder econômico. Então será que de fato o jornalista esta conseguindo cumprir o papel dele? Até que ponto ele pode divulgar certas informações? É um contexto muito serio.
Clturaria: Você acha necessária uma mudança de paradigma da parte dos jornalistas quanto aos acontecimentos sociais?
Viviane: O jornalista deveria ser um mediador de conflitos. Porque é ele que vai contar como a sociedade esta. E muito disso passa por uma construção pessoal, ele é um reprodutor do contexto social, e dependendo da visão dele e de onde ele esta, as matérias podem mudar. Mas, os veículos de massa estão dispostos a pagar um preço por uma verdade? Hoje o ser humano passa por um vazio profundo. Ele busca por assistência médica, e geralmente ele encontra com déficit, ele busca transporte e cai numa lata de sardinha, ele busca diversão, e vai encontrar à disposição álcool, drogas e sexo. O desespero das drogas hoje é tão grande, que isso toma conta de todos, porque alguém perto de você está envolvido com drogas. Então a gente vive um conflito de identidade. E o jornalista é um formador de opinião que esta no meio de toda essa bagunça.
 Culturaria: Quais mudanças são necessárias na atividade jornalística?
Viviane: Eu acho que essas mudanças são mais complicadas ainda. Nós temos ferramentas ideológicas que estão chegando com tudo. Eu creio que até fazer televisão, por exemplo, vai ficar bem diferente. Vai ter outra perspectiva, e ao ver os produtos de massa explorando cada vez mais problemas de violência, sexo, sabendo que por trás de tudo isso, tem a questão econômica, me assusta. Eu acho que, nós, jornalistas, somo pequenos Davis, enfrentando gigantes Golias. Eu vejo essa proporção do jornalista com a mídia. O jornalista esta sofrendo de perda sensitiva, perda da percepção. Você vê uma sociedade que carece de tudo. Carece de ética, carece de afeto, carece de amor, carece de vida. Carece de segurança, saúde e educação moral. E a educação é algo complicado. Muitos pais passam a responsabilidade de educar para a escola e na verdade, a escola tem o papel de passar o conhecimento formal. O papel de educar, de passar princípios do que é certo, do que é errado, é da família. A gente vive uma crise de identidade, de princípios, do que é bom ou não é. E ai, talvez nessa panela toda esteja a mídia. Porque ela é reflexo do comportamento social. A mídia também está em crise. Existe ética profissional, se não existe ética pessoal?
Culturaria: acho que a mídia hoje em dia faz um papel que começou com a família, foi pra igreja, pra escola e hoje está na mão da mídia, que é fornecer a educação moral do ser humano. E ela não é a mais indicada para isso, pois seus fins são lucrativos. Por isso a sociedade está cada vez mais confusa e perdida.
Viviane: As pessoas que acham que elas vão ser bem educadas ou que vão receber algum conhecimento da mídia, elas estão equivocadas. A mídia seve para informar. A minha capacidade de discernir é que tem de ser renovada. Ai é que eu digo que o poder econômico ganha muito com isso, afinal eles percebem que a mídia é que está cumprindo com o papel de educar a sociedade. E isso é um perigo, e o jornalista está no meio desse campo de guerra. Porque isso é uma guerra. Ganha quem tem mais dinheiro. Quem tem poder.


Culturaria: é a gente vive sob uma máxima hoje em dia onde é mais importante ganhar dinheiro do que abrir portas na mente das pessoas. Conscientizar.
Viviane: A impressão que da é que se criou uma geração de jornalistas com pouca vontade de pensar. Raros têm esse desejo de questionar, e a empresa não está muito interessada que você pense. Essas pautas disfarçadas onde tudo gira em torno da violência, entra na cultura do medo, do aprisionamento, poder econômico, é esse o ciclo. Um ciclo discreto mas que envolve. O pior é quando você, jornalista ou profissional da mídia, perde a noção de até onde você consegue ir, até onde sua ética te permite ir. Nem todo mundo tem essa consciência. Então eu creio que os jornalistas precisam discutir isso.


(por Amanda Martins)

Coluna: Teledramaturgia - Cordel Encantado


Uma novela que, projetada com ares de experimentação, cativou o público pela mais tradicional receita do gênero. Assim foi Cordel Encantado, charmoso trabalho de Duca Rachid e Thelma Guedes que a Globo exibiu até setembro deste ano. A inusitada história de amor entre a princesa europeia Açucena/Aurora (Bianca Bin) e o cangaceiro Jesuíno (Cauã Reymond) calcou-se em muito romance, ação, heróis apaixonados e sofridos, antagonistas cruéis e implacáveis, com direito a inúmeras reviravoltas. Tudo isso, aliado ao carisma do elenco e à esmeradíssima produção técnica e artística, garantiram o sucesso de público e crítica, não como um programa ousado, inovador, mas um saboroso e acertado déja vú.

Ao princípio de Cordel, o romantismo era o elemento que mais se destacava. Um dos ingredientes centrais das novelas, mas que andava em baixa frente a outras linguagens adotadas pelas tramas de hoje – que privilegiam mais a intriga, a adrenalina policial e o merchandising social. O tom de fábula predominante na narrativa favoreceu ainda mais esse foco. Da paixão “proibida” entre a empregada Maria Cesária (Lucy Ramos) e o monarca Augusto (Carmo Dalla Vecchia) ao amor bandido entre a ardilosa duquesa Úrsula (Débora Bloch) e o honrado e valente Herculano (Domingos Montagner), houve pares para todos os gostos. Delegados a segundo plano, mas ainda assim de força inegável, estiveram as aventuras vividas pelos cangaceiros e o humor de personagens como Neusa (Heloísa Perrissé), Quiquiqui (Marcelo Novaes), Ternurinha (Zezé Polessa) e Nicolau (Luiz Fernando Guimarães).

A partir de quando o obsessivo vilão Timóteo (Bruno Gagliasso) toma o poder em Brogodó e transforma a família real de Seráfia em seus criados, as histórias de amor perdem um pouco de espaço, dando maior evidência à aventura e à adrenalina dentro desse contexto “político”. Isso não ocorre bruscamente, mas é perceptível de forma gradual. Os conflitos e triângulos amorosos continuaram existindo e se desenvolvendo, mas jamais voltariam a ter a força de antes – mesmo porque alguns já tinham a linha narrativa um tanto desgastada, como o próprio romance principal entre Açucena e Jesuíno. O núcleo infantil, encabeçado pelo órfão Nidinho (João Fernandes) e sua busca pelos pais biológicos, foi outro ponto forte e comovente para o público da trama.

Apesar de irrepreensível na maior parte de seu desenrolar, a trama de Duca Rachid e Thelma Guedes pecou ao se perder na reta final, tornando-se cansativa. Até pela constante agilidade, os recursos da história esgotaram-se antes do previsto, e mesmo as sequências mais movimentadas já não empolgavam como outrora. Na última semana, alguns desfechos soaram apressados, outros não convenceram. Foi estranho, por exemplo, que a decidida Doralice (Nathália Dill) esquecesse num piscar de olhos do amor por Jesuíno, que a moveu durante toda a novela, para se assumir apaixonada “desde sempre” pelo príncipe Felipe (Jayme Matarazzo); a atração entre os dois já fora claramente insinuada, várias vezes, mas tal atitude não condisse com o perfil maduro e ousado de Doralice. A cena da morte de Úrsula, ao defender seu amado Herculano de um tiro de Zoio Furado (Tuca Andrada), foi rápida e superficial demais, não só dada a importância da personagem na história, mas também as atenções que o público dedicava ao seu romance com o “rei do cangaço”.

Elenco e personagens

Nathália Dill no papel de Doralice
Sem exageros, pode-se dizer que em Cordel Encantado estivemos diante de um elenco impecável. Bianca Bin e Cauã Reymond convenceram como protagonistas, o que aliás não chega a ser uma surpresa, visto que ambos já vinham apresentando maturidade artística em trabalhos anteriores. A consagrada Débora Bloch foi ajustando e melhorando o tom da recalcada Úrsula à medida que a trama avançava, e ao fim garantiu seu lugar entre os melhores do elenco. Nathália Dill, que vem se sobressaindo em papéis quase consecutivos desde Malhação (2008), mostrou que é incansável e acumulou mais um mérito em seu currículo, muitas vezes superando a própria protagonista.                                                                                

Bruno Gagliasso como Timóteo
Na ala masculina, o ponto mais alto foi sem dúvida Bruno Gagliasso. A decadência moral e social de Timóteo, a partir do momento em que é destituído do “trono” de Brogodó, garantiu momentos deliciosos e até arrepiantes à novela. De almofadinha pedante, superficial e calculista, o vilão foi pouco a pouco se afundando em seus delírios de grandeza e na paixão doentia por Açucena. Nos momentos derradeiros, de tão fora de si, vivia isolado dos demais personagens e esgueirava-se por detrás deles como uma sombra, um “fantasma” ameaçador. Um clichê fantástico, que há tempos estava ausente das telenovelas modernas, e que novamente foi favorecido pelo contexto onírico de Cordel Encantado.

Cabem ainda destaques ao sempre ótimo Osmar Prado, que passeou por diversas matizes de seu delegado Batoré; Luísa Valdetaro, atriz outrora desacreditada, teve na sofrida Antônia seu melhor desempenho na TV até agora; a dupla Zezé Polessa (Ternurinha) e Marcos Caruso (Patácio), impagáveis como prefeito e primeira-dama de Brogodó; o aflitivo triângulo amoroso entre Emanuelle Araújo (Florinda), Guilherme Fontes (Zenóbio) e Felipe Camargo (Pétrus) – apesar do desfecho superficial e forçado; além de revelações como Renato Góes (Fausto), Luana Martau (Carlota) e, claro, Domingos Montagner, que marcou o público feminino como o impulsivo e viril Herculano.

Não se tratou de uma novela inesquecível, mas Cordel Encantado indiscutivelmente cumpriu seu papel na faixa das 18h da Globo: atrair e divertir o público, com uma história que unia toques de tradição, modernidade e vanguarda de forma peculiar.

Crônica: Quem tem medo de literatura?

Pode até soar estranho eu, uma estudante de Estudos Literários, admitindo isso aqui: morro de medo de literatura. Sim, literatura assusta. E me assusta um pouco além do seu potencial-assustador porque eu definitivamente não faço parte daquelas pessoas que terminam de ler, fecham seus devidos livros e conseguem uma boa noite de sono. Muito pelo contrário, livro pra mim é cafeína na veia, quando levado pra cama, adeus, querido sono. As palavras insistem em pular pelo meu corpo. Ficam impregnadas nos ouvidos, deixam cheiro forte nas narinas, ardem dentro das artérias.

O fato é que literatura dá um medo gigante. Digo isso por um motivo. Estou lendo Ulisses, de James Joyce. Um dos livros mais conhecidos a aclamados da literatura moderna, mas que pouca gente leu. Segundo meu professor de Teoria Literária, Henrique Ávila, um senhor simpático que já deve caminhar pela casa dos 80, as pessoas mais falam de Ulisses do que realmente o leem. E é, acho que isso é verdade, porque cá estou, falando de um livro que me encontro na página 16. Dezesseis.
Como falar de um livro do qual se leu até a página 16? Obviamente isso é tarefa impossível. A questão é que não tenho pretensões de falar do enredo, estruturas narrativas, diegese, discurso e tudo mais. Quero falar de uma coisa simples: a literatura forçada.

Está pra existir uma coisa nesse mundo mais ridícula como a literatura que é empurrada goela a baixo. Não gosto. Nunca gostei. Quando estava no colegial, invertia a ordem dos livros lidos só para não ler quando o professor pedia. Então quando ele pedia Eça de Queirós, eu lia Machado de Assis. E quando ele pedia Machado de Assis... bem, eu não lia Eça de Queirós, porque eu não gosto, nem nunca gostei. Mas essa é a lógica.

Voltando ao Ulisses... Preciso lê-lo. E o verbo precisar se refere a duas coisas: preciso lê-lo porque é um livro importantíssimo e um marco na literatura universal (e também porque dizem que todo escritor deve ler, e como quero ser escritora, também pretendo passar 16 de junho de 1904 em Dublin – que é quando e onde acontece a ação de Ulisses) e preciso lê-lo porque me foi mandado. Exatamente. Mandado. Acho tão engraçado você ser obrigada a ler um livro de exatamente 852 páginas, de James Joyce, um dos maiores gênios da literatura de todos os tempos. Não faz sentido na minha cabeça. Acho sempre que a leitura deveria ser sugerida e não imposta. Mesmo porque enquadrar um épico moderno desse tamanho (nos dois sentidos da palavra) dentro de moldes da narrativa literária, em que pouco se tem controle e profundidade em um curso de graduação em Letras, é uma tarefa um tanto quanto... equivocada.

Eu tenho medo de James Joyce. Eu tenho medo de Ulisses. Tenho medo porque não conheço, mas – principalmente – porque ainda não me acho preparada para conhecer. Queria poder passear pelos clássicos dentro do meu tempo. Ulisses não pode crescer em mim enquanto eu ainda não puder receber Ulisses nua de limitações. E tenho a impressão de que se os professores do nosso país tivessem isso em mente, teríamos um Brasil de mais leitores.

(por Layse Moraes)

Filme "Amarelo Manga": Um retrato do Brasil


O filme Amarelo Manga (2003), do diretor Cláudio Assis, é interessante para quem gosta de documentários ou de críticas em relação à atual sociedade. com uma linguagem atual, a obra não tem prazo de validade. Amarelo Manga nos mostra um reflexo do Brasil pobre, marginalizado, onde não existem mocinhos nem vilões, em que o povo não é tratado com tiranias e condescendências. O filme aborda também temas como homossexualidade, necrofilia e adultério de um modo menos sombrio e menos estereotipado do que estamos acostumados a ver nas películas com estas temáticas.

O filme começa com Ligia, uma mulher mal humorada, dona de um bar, dizendo que "o ser humano é estômago e sexo. O resto é o resto: comida, cerveja, amigos. Tudo coisas. Apenas os cães são fiéis". E assim desenrola uma trama com vários encontros e desencontros amorosos na periferia de Recife.

Ele nos revela personagens como o açougueiro Wellington: machista, infiel e casado com Kika, uma protestante devota. O traficante Isaac que tem uma obsessão por pessoas mortas. A dona do bar, Lígia, que sofre assédio de todos os clientes, e o travesti e cozinheiro Dunga, que tem uma paixão doentia pelo açougueiro.

O cenário da trama é a pensão onde todos os personagens moram - o que nos faz lembrar do clássico do realismo-naturalismo brasileiro, "O Cortiço", de Aluísio de Azevedo. A violência no filme não chega a ser assustadora nem mesmo nos provoca algum tipo de emoção mais forte, mas incomoda porque os personagens são brasileiros. E nós, espectadores, também somos brasileiros. Um dos personagens, o tempo todo repete a frase: amarelo é cor de ouro, cor de alegria e energia, mas aqui, amarelo é cor da meleca que sai no nariz, dos dentes apodrecidos, da podridão das feridas. Amarelo velho, desbotado e doente.

O filme é o retrato mais verdadeiro e preciso do Brasil. Mas vai além disso: é um retrato do lado obscuro do ser humano. Meio clandestino, meio autêntico, meio podre, meio alma e meio ilusão. Neste filme, as máscaras são pouco a pouco retiradas. E, saiba, isso vai lhe incomodar. 

Assista ao trailer:

(por Fernanda Frigeri)

Edison Maschio e suas memórias da pequena Londres

Inúmeras figuras do passado preencheram as páginas da história londrinense. Muitas guardam segredos já em sua última morada, outras continuam escrevendo e contando os causos vividos nessa terrinha que mais parece um coração de mãe.
Um desses lendários  é Edison Maschio, jornalista, escritor e repórter, como também gosta de ser chamado, e uma das memórias vivas da nossa cidade.

Ele nasceu em Assis (SP),mas chegou em Londrina em 1938, aos 6 anos de idade, sem imaginar que aqui viveria por longa data um elo de amor com o chão vermelho e cresceria junto com a cidade. 

Londrina é a senhora mais charmosa do norte do Paraná, ao longo de seus 77 anos de histórias, muitas delas narradas por Edison através dos livros que escreveu ou simplesmente a quem se interessa em sentar e bater um bom papo com o experiente jornalista. Na década de 60 ele editou o jornal “O Diário” que não permaneceu por muito tempo.

Numa época em que Londrina era considerada a capital do café, pessoas de toda parte do país e até do exterior, foram atraídas para cá devido ao grande crescimento econômico. Com uma lembrança não tão longe, o jornalista conta que com um comércio fortalecido e muita gente com dinheiro no bolso, as casas de tolerância foram ganhando espaço e procura. Londrina teve até fama internacional por conta de seus bordéis refinados ostentados com luxo ou casas simples - porém com belas mulheres.

Maschio ouviu e presenciou acontecimentos bizarros e inusitados, outros trágicos, como o assassinato do jornalista Eduardo Muller na vizinha cidade de Astorga. O fato gerou rumores em torno da prática jornalística na época, já que o motivo pelo crime teria sido a crítica feita pelo profissional ao vereador Manoel Valério Mota, que era candidato à prefeito da cidade. Esse acontecido é um dos mais lembrados por Edison, que parece ainda chocado quando fala sobre o assunto. Essas entre outras são histórias que o velho escritor descreve com fidelidade em “Histórias Ocultas” uma de suas obras com um título pra lá de auto explicativo. 

Como um bom romântico, passa horas com sua antiga companheira, a máquina de escrever, que nos dias atuais tem sido esquecida, mas não por ele, que adora passar o tempo exercitando os dedos nas teclas enquanto puxa pela memória os devaneios de um tempo que não volta mais. Gosta também de dar asas à imaginação como todo apaixonado pela escrita e pela leitura. Os romances são seus preferidos, no entanto é pai de dois livros bem escritos “Raposas do asfalto” e “Escândalos da província”, esse último, de 1959, foi o primeiro romance escrito, ambientado e publicado em Londrina. Mas tudo não são somente  flores. Com apenas 25 anos de idade, Maschio precisou fugir para São Paulo por causa das ameaças de mortes que sofreu por parte das pessoas que se sentiram retratadas no romance satírico. O jovem jornalista teve que  passar uma temporada de auto-exílio na maior capital do Brasil. Mas não deixou se abater pelo ocorrido, não desistiu e nem deixou afogar  seus objetivos. Retorno à terra do pé vermelho  com mais garra e imponente perante aos inimigos.

Senhor dos seus  77 anos bem vividos , mesma idade de Londrina, sua musa inspiradora, apresenta os cabelinhos grisalhos da cor da experiência e o corpo franzino mas com uma mente bem robusta. Em suas caminhadas, leva consigo uma simpática bengala e uma boina escura, características de um senhorzinho que não dispensa a companhia do charme e da elegância.

Ele passa serenidade e saudosismo ao falar das histórias do passado, seus olhos brilham com facilidade, e as palavras parecem ir de encontro ao coração. Não chega a se emocionar explicitamente, mas emociona quem ouve suas narrativas do passado, pois causa a impressão de estar cara a cara com as décadas anteriores, a imaginação de vivenciar um daqueles momentos, ora chocantes, ora divertidos ou misteriosos. Quem tem a oportunidade de prosear com Edison Maschio tem não só o prazer de desvendar situações delicadas envolvendo a alta sociedade londrinense e seus amigos da aristocracia estrangeira, mas pequenas aulas de história como o desbravamento do norte do Paraná e suas personalidades influentes.

Um homem com espírito jovem, Machio sempre foi avançado para o seu tempo. O senso crítico e a autenticidade o fizeram cair nos braços do jornalismo, com a exatidão de ser um eterno apaixonado.

(por Areuza Oliveira)